quinta-feira, 11 de julho de 2013

Poetas Ambulantes: Oficina Projeto Arrastão - Fotografia & Poesia (T...

Poetas Ambulantes: Oficina Projeto Arrastão - Fotografia & Poesia  (T...: Oficina Projeto Arrastão - Fotografia & Poesia  (Turma Arte além dos Muros) - 24/04/2013 Equipe: Renata Armelin, Mel Duarte, Thiago Pe...

terça-feira, 9 de julho de 2013

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Conto "O caso do espelho"

O caso do espelho




 Era um homem que não sabia quase nada. Morava longe, numa casinha de sapé esquecida nos cafundós da mata. 
Um dia, precisando ir à cidade, passou em frente a uma loja e viu um espelho pendurado do lado de fora. O homem abriu a boca. Apertou os olhos. Depois gritou, com o espelho nas mãos: 
- Mas o que é que o retrato de meu pai está fazendo aqui? 
- Isso é um espelho - explicou o dono da loja. 
- Não sei se é espelho ou se não é, só sei que é o retrato do meu pai. 
Os olhos do homem ficaram molhados. 
- O senhor... conheceu meu pai? - perguntou ele ao comerciante. 
O dono da loja sorriu. Explicou de novo. Aquilo era só um espelho comum, desses de vidro e moldura de madeira. 
- É não! - respondeu o outro. - Isso é o retrato do meu pai. É ele, sim! Olha o rosto dele. Olha a testa. E o cabelo? E o nariz? E aquele sorriso meio sem jeito? 
O homem quis saber o preço. O comerciante sacudiu os ombros e vendeu o espelho, baratinho.
Naquele dia, o homem que não sabia quase nada entrou em casa todo contente. Guardou, cuidadoso, o espelho embrulhado na gaveta da penteadeira. 
A mulher ficou só olhando. 
No outro dia, esperou o marido sair para trabalhar e correu para o quarto. Abrindo a gaveta da penteadeira, desembrulhou o espelho, olhou e deu um passo atrás. Fez o sinal da cruz tapando a boca com as mãos. Em seguida, guardou o espelho na gaveta e saiu chorando. 
- Ah, meu Deus! - gritava ela desnorteada. - É o retrato de outra mulher! Meu marido não gosta mais de mim! A outra é linda demais! Que olhos bonitos! Que cabeleira solta! Que pele macia! A diaba é mil vezes mais bonita e mais moça do que eu! 
Quando o homem voltou, no fim do dia, achou a casa toda desarrumada. A mulher, chorando sentada no chão, não tinha feito nem a comida. 
- Que foi isso, mulher? 
- Ah, seu traidor de uma figa! Quem é aquela jararaca lá no retrato? 
- Que retrato? - perguntou o marido, surpreso. 
- Aquele mesmo que você escondeu na gaveta da penteadeira! 
O homem não estava entendendo nada. 
- Mas aquilo é o retrato do meu pai!
 
Indignada, a mulher colocou as mãos no peito: 
- Cachorro sem-vergonha, miserável! Pensa que eu não sei a diferença entre um velho lazarento e uma  jabiraca, safada e horrorosa? 
A discussão fervia feito água na chaleira. 
- Velho lazarento coisa nenhuma! - gritou o homem, ofendido. 
A mãe da moça morava perto, escutou a gritaria e veio ver o que estava acontecendo. Encontrou a filha chorando feito criança que se perdeu e não consegue mais voltar pra casa. 
- Que é isso, menina? 
- Aquele cafajeste arranjou outra! 
- Ela ficou maluca - berrou o homem, de cara amarrada. 
- Ontem eu vi ele escondendo um pacote na gaveta lá do quarto, mãe! Hoje, depois que ele saiu, fui ver o que era. Tá lá! É o retrato de outra mulher! 
A boa senhora resolveu, ela mesma, verificar o tal retrato. 
Entrando no quarto, abriu a gaveta, desembrulhou o pacote e espiou. Arregalou os olhos. Olhou de novo. Soltou uma sonora gargalhada. 
- Só se for o retrato da bisavó dele! A tal fulana é a coisa mais enrugada, feia, velha,  cacarenta,  murcha,  arruinada, desengonçada, capenga, careca, caduca, torta e desdentada que eu já vi até hoje!
E completou, feliz, abraçando a filha: 
- Fica tranquila. A bruaca do retrato já está com os dois pés na cova!

Conto popular recontado por Ricardo Azevedo, ilustrado por Alarcão
Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/fundamental-1/caso-espelho-634284.shtml

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Dissertação sobre a palavra "coisa"


Dissertação sobre a palavra "coisa" - Texto brasileiro enviado por Carlos Leça da Veiga
                A palavra "coisa" é um Bombril do idioma. Tem mil e uma utilidades. É aquele tipo de  termo-muleta ao qual a gente recorre sempre que nos faltam palavras para exprimir uma ideia. Coisas do português.
                A natureza das coisas: gramaticalmente, "coisa" pode ser substantivo, adjetivo, advérbio. Também pode ser verbo: o Houaiss registra a forma "coisificar". E no Nordeste há "coisar": "Ô,   seu coisinha, você já coisou aquela coisa que eu mandei você coisar?".
                Coisar, em Portugal, equivale ao ato sexual, lembra Josué Machado. Já as "coisas"   nordestinas são sinônimas dos órgãos genitais, registra o Aurélio. "E deixava-se possuir pelo amante, que lhe beijava os pés, as coisas, os seios" (Riacho Doce, José Lins do Rego). Na Paraíba e em Pernambuco, "coisa" também é cigarro de maconha. Em Olinda, o bloco   carnavalesco Segura a Coisa tem um baseado como símbolo em seu estandarte.
                Alceu Valença canta: "Segura a coisa com muito cuidado / Que eu chego   já." E, como em Olinda sempre há bloco mirim equivalente ao de gente grande, há também o Segura a Coisinha.  
                Na literatura, a "coisa" é coisa antiga. Antiga, mas modernista: Oswald de Andrade escreveu a crônica O Coisa em 1943. A Coisa é título de romance de Stephen King. Simone de Beauvoir escreveu A Força das Coisas, e   Michel Foucault, As Palavras e as Coisas
  Em Minas Gerais, todas as coisas são chamadas de trem. Menos o trem, que lá é   chamado de "a coisa". A mãe está com a filha na estação, o trem se  aproxima e ela diz: "Minha filha, pega os trem que lá vem a coisa!".
                Devido lugar: "Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça (...)". A garota de  Ipanema era coisa de fechar o Rio de Janeiro. "Mas se ela voltar, se ela  voltar / Que coisa linda/ Que coisa louca." Coisas de Jobim e de  Vinicius, que sabiam das coisas. Sampa também  tem dessas coisas (coisa de louco!), seja quando canta "Alguma coisa acontece no meu coração",  de Caetano Veloso, ou quando vê o Show de Calouros, do Silvio Santos (que é coisa nossa).
                Coisa não tem sexo: pode ser masculino ou feminino. Coisa-ruim é o capetaCoisa boa é a Juliana Paes. Nunca vi coisa assim! Coisa de cinema! A Coisa virou nome de filme de Hollywood, que tinha o seu Coisa no recente Quarteto   Fantástico. Extraído dos quadrinhos, na TV o personagem ganhou também desenho   animado, nos anos 70. E no programa Casseta e Planeta, Urgente!, Marcelo   Madureira faz o personagem "Coisinha de Jesus".
                Coisa também não tem tamanho. Na boca dos exagerados, "coisa nenhuma" vira "coisíssima".
                Mas a "coisa" tem   história na MPB. No II Festival da Música Popular Brasileira, em 1966, estava na letra das duas vencedoras: Disparada, de Geraldo Vandré ("Prepare seu coração / Pras coisas que eu vou contar"), e A Banda, de Chico Buarque ("Pra ver a banda passar / Cantando coisas de amor"), que acabou de ser relançada num dos CD triplos do compositor, que a Som Livre remasterizou. Naquele ano do festival, no entanto, a coisa tava preta (ou melhor, verde-oliva). E a turma da Jovem Guarda não tava nem aí com as coisas: "Coisa linda / Coisa que eu adoro".
                Cheio das coisas: As mesmas coisas, Coisa bonita, Coisas do coração, Coisas que não  se esquece,   Diga-me coisas bonitas, Tem coisas que a gente não tira do coração. Todas essas coisas são títulos de canções interpretadas por Roberto Carlos, o   "rei" das coisas. Como ele, uma geração da MPB era preocupada com as coisas. Para Maria Bethânia, o diminutivo de coisa é uma questão de   quantidade (afinal, "são tantas coisinhas miúdas"). Já para Beth   Carvalho, é de carinho e intensidade ("ô coisinha tão bonitinha do pai"). Todas as Coisas e Eu é título de CD de Gal. "Esse papo já tá qualquer coisa... Já qualquer coisa doida dentro mexe." Essa coisa doida é uma citação da música Qualquer Coisa, de Caetano, que canta também:"Alguma coisa está fora da ordem."
                Por essas e por outras, é preciso colocar cada coisa no devido lugar. Uma coisa de cada  vez, é claro, pois uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa. E tal coisa, e coisa e tal. O cheio de coisas é o indivíduo chato,   pleno de não-me-toques. O cheio das coisas, por sua vez, é o sujeito estribado.
                Gente fina é outra coisa. Para o pobre, a coisa está sempre feia: o salário-mínimo não dá pra coisa nenhuma.
                A coisa pública não funciona no Brasil. Desde os tempos de Cabral. Político quando está na oposição é uma coisa, mas, quando assume o poder, a coisa muda de figura. Quando se elege, o eleitor pensa: "Agora a coisa vai."
                Coisa nenhuma! A coisa fica na mesma. Uma coisa é falar; outra é fazer. Coisa feia! O eleitor já está cheio dessas coisas!
                Coisa à toa: Se você aceita qualquer coisa, logo se torna um coisa qualquer, um coisa à toa. Numa crítica feroz a esse estado de coisas, no poema Eu, Etiqueta, Drummond radicaliza: "Meu nome novo é coisa. Eu sou a coisa, coisamente." E, no verso do poeta, "coisa" vira "cousa".
                Se as pessoas foram feitas para ser amadas e as coisas, para ser usadas, por que então nós amamos tanto as coisas e usamos tanto as pessoas? Bote uma coisa na cabeça: as melhores coisas da vida não são coisas. Há coisas que o dinheiro não compra: paz, saúde, alegria e outras cositas más.
                Mas, "deixemos de coisa, cuidemos da vida, senão chega a morte ou coisa parecida",  cantarola Fagner em Canteiros, baseado no poema Marcha, de Cecília Meireles, uma coisa linda. Por isso, faça a coisa certa e não esqueça o grande mandamento: "amarás a Deus sobre todas as coisas".
Entendeu o espírito da coisa?

Fonte: http://estrolabio.blogs.sapo.pt/1565691.html (23/03/2013)